quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

CONSELHO DE CLASSE

No último domingo (18/12), acompanhamos o episódio final do quadro “Conselho de Classe”, exibido pelo programa Fantástico, da Rede Globo, podendo chegar a algumas conclusões.

A princípio, com as chamadas iniciais do quadro, a impressão que se tinha era de que o quadro tentaria mostrar a “realidade” com que os professores das escolas públicas têm que lidar - que nas chamadas do programa era resumida em indisciplina por parte dos alunos.

O que se propunha, como diz a página do quadro, no site do Fantástico, era acompanhar “em tempo real, o dia a dia de quatro professores de escola pública.” Mas as descrições que se seguem nos mostram o tom do programa: “Ernesto é super exigente. Walter, hiperativo. Elaine, linha dura. Érica, preocupada. Eles formam nosso conselho de classe e estão acompanhados desde o início do ano pelas nossas câmeras.”

A partir de então, o que vimos durante vários domingos foi uma exibição parcial e caricaturada da educação brasileira, onde alunos e professores são mostrados sem profundidade, de forma unilateral e baseada em pré-conceitos.

Um Conselho de Classe é uma reunião onde o processo de ensino-aprendizagem é discutido, apontando-se os resultados das estratégias de ensino utilizadas após refletir-se sobre a aprendizagem dos alunos e o processo de ensino. Deve ser um espaço de reflexão sobre o trabalho que está sendo realizado e auxiliar a tomada de decisões, possibilitando a inserção de estratégias mais adequadas à aprendizagem de cada turma ou aluno.

Mas, ao contrário de proporcionar um espaço de discussão sobre educação e os processos de ensino-aprendizagem, o quadro Conselho de Classe apenas exibiu as características escolhidas pela edição, mostrando os alunos como bagunceiros e os professores como pessoas trabalhadoras que sofrem para “botar ordem” em suas salas de aula.

A escola pública é mostrada como uma instituição caótica, onde os alunos são demônios e os professores santos. Dados reais são misturados com pura ficção e exibidos com a única função de entreter os telespectadores. O formato típico de “Big Brother” selecionava apenas os momentos mais “interessantes” – do ponto de vista de prender a atenção do público. Usou-se até mesmo a estratégia de mostrar os professores em festa com bebidas alcoólicas, para estimular os protagonistas a se soltarem e produzirem cenas “divertidas” para a TV.

Tudo isso acaba ridicularizando alunos e professores da escola pública em prol da audiência, o que nos leva a considerar, antes de tudo, que o quadro em questão não se trata de jornalismo, mas de espetáculo.

Isso tudo em pleno final de ano, período em que são feitas as matrículas nas escolas. Quantos pais, já desiludidos com a educação no país, não poderiam deixar de dar a oportunidade de educação a seus filhos por causa de uma exibição estereotipada da escola pública, já tão criticada no Brasil?

Além do mais, tenta-se definir como é o dia-a-dia de uma escola com base em uma única, e o professor brasileiro como os quatro protagonistas do quadro: Elaine, Walter e Ernesto, que dão aulas para os alunos do sexto ano, e Érica, que cuida da turma de projeto - um grupo especial que reúne alunos que tiveram mau desempenho e precisam fazer o sexto e o sétimo ano juntos.

Os professores gritam, dão lição de moral e imploram por respeito, demonstrando claramente estarem estressados e despreparados. Em nenhum momento vimos professores empenhados em ensinar os alunos, mas apenas em “dominarem” a sala de aula. A única exceção vinha com o professor de História, que defendia as aulas diferentes do comum, com slides, vídeo e todo tipo de tecnologia, além de estimular os alunos a participarem da aula. Mas até a vontade do professor de ser diferente e estimular os alunos foi caricaturada pelo programa, que dizia que ele precisava de atenção e era um professor “pop star”.

Todas as características dos professores que eram mostradas eram afirmadas como “suas”, indicando que o método do professor varia de acordo com sua personalidade. Ora, a educação não é algo que deve ser feito sem método ou direcionamento, de acordo com as preferências de cada um – é uma prática permeada por um estudo e que segue uma linha de pensamento, devendo ser delineada pelos conhecimentos sobre ensino-aprendizagem. Afirmações como as feitas pelo programa só contribuem para a difusão do pensamento de que qualquer um pode ser professor e de que quando o aprendizado não acontece a culpa é do aluno.

Apesar de vários professores gostarem do programa (provavelmente, aqueles que se identificam com a opinião do mesmo e com as características dos professores do quadro), apoiando a iniciativa de mostrar aos telespectadores “como é difícil a vida de professor de escola pública”, muitos profissionais da educação criticaram o programa, chegando a circular pela internet um abaixo-assinado contra este intitulado “Carta de repúdio à série ‘Conselho de Classe’ do Fantástico/Rede Globo”, direcionado à Associação Brasileira de Imprensa (ABI), cujo primeiro parágrafo é o seguinte:

“Nós, profissionais de educação da rede pública municipal da cidade do Rio de Janeiro, publicamos aqui nosso manifesto contrário ao que vem sendo exibido no acima referido programa por concordarmos que ele em nada contribui para a melhoria da qualidade dos serviços educacionais prestados à população que destes faz uso. Pelo contrário, é de nossa opinião que a iniciativa leva, isto sim, a um aprofundamento de visões unilaterais, rasas e mesmo preconceituosas acerca da imagem do professor, do estudante e da educação pública em geral."

Ninguém duvida que nas escolas existam dramas, conflitos e conquistas, pelo contrário, são estas características inerentes aos seres humanos quando vivendo em coletividade. Mas o modo como eles são abordados e o papel do professor em meio a tudo isso é o que tem sido mal entendido e dissimulado. Sabemos também que a presença de uma câmera induz as pessoas a mudarem comportamentos e atitudes, sendo só isso um indicativo de que a escola pública não seria mostrada de forma totalmente “real”.

Em última instância, o quadro “Conselho de Classe” não contribuiu em nada para uma discussão sobre educação frente ao grande público, mostrando um retrato nada crítico da escola pública brasileira. Na visita feita à Escola da Ponte, por exemplo, perdeu-se a grande oportunidade de abordar os motivos pelos quais ela chegou a ter o melhor desempenho entre as escolas portuguesas. O professor José Pacheco, criador da Escola da Ponte, certamente teria muito a contribuir com suas críticas à educação convencional e também aos professores. Mas, em detrimento de tudo isso, o que teve ênfase na visita dos professores do quadro do Fantástico à Escola da Ponte foi o silêncio das crianças enquanto estudavam...

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