sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O APRISIONAMENTO NA COMUNICAÇÃO
A Crença Nas Palavras e o Abismo Total Entre As Consciências

“Foi a linguagem que criou o homem e não o homem a linguagem, desde que se acrescente que o hominídea criou a linguagem.” (Edgar Morin)

Desde os primórdios, as pessoas vêm acreditando que se comunicam e tendo a forte convicção de compartilhar experiências de vida, entender o outro e serem entendidas – simplesmente no ato de pensar e falar. Mas suspeito que muito do que assinala-se tenha passado despercebido, ou nunca tenha sido visto.

Não pretendo descobrir o que supostamente esteja oculto sob a linguagem, mas abrir os olhos para ver e desvendar como ela funciona e acontece na comunicação. Olhando por uma perspectiva multidimensional, existe um caminho complexo e profundo, um abismo, entre uma realidade e outra.

A natureza da comunicação e linguagem surge, como o naturalista Charles Darwin pôde observar, através da expressão das emoções no homem e nos animais. Denominando-a de linguagem das emoções, Darwin pôde perceber que estas não são meramente ocasionais mas são constituídas todas através de linguagem. A essência da linguagem é biológica.

A seleção natural é econômica, só sobrevive e se mantém aquilo que se adapta ao ambiente com perfeito êxito. Assim, é esta capacidade inata que a seleção natural proporcionou desde aos animais inferiores até a nós, seres humanos - transmitir linguagem e sermos compreendidos – mesmo que seja de forma bem primitiva. Esta capacidade inata da expressão humana, ou linguagem das emoções, é a essência de toda a linguagem que transborda no homem.

A origem da comunicação é imprecisa, mas através de induções, imagina-se que os homens primitivos começam a comunicar-se através de gritos ou grunhidos, como fazem os animais, ou talvez por gestos e comandos, ou ainda pela combinação desses todos.

Percebendo a capacidade próxima à nossa de falar, de alguns animais, imaginamos que os sons usados como linguagem eram imitações de sons da natureza, como o cantar do pássaro e o trovão. Mas ainda, nada impede que se pense também que o homem primitivo usasse sons produzidos pelas mãos e os pés, e não só pela boca, pedras ou troncos ocos.  

Pesquisas antropológicas mostram que a capacidade de comunicação entre os membros de uma mesma tribo por meio da linguagem foi de uma importância crucial no desenvolvimento do homem. Especialmente, os movimentos expressivos da face e do corpo foram determinantes para o aumento do poder da linguagem. No entanto, não há subsídios para saber se algum músculo tenha sido desenvolvido em benefício da expressão. 

Como observa o antropólogo Edgar Morin, a organização social proporcionada a nós, seres humanos, pela linguagem, criou condições para a nossa evolução biológica e cultural.

Independente da origem da comunicação, a história nos mostra que os homens encontraram a forma de associar um determinado som ou gesto a um certo objeto ou ação. Assim nasce o signo. A natureza da linguagem é antes de tudo um signo. Um signo é qualquer coisa que conduz alguma outra coisa a referir-se a um objeto ao qual ela mesma se refere de modo idêntico. É qualquer coisa que busque representar outra. Charles Sanders Peirce, pai da semiótica (estudo dos signos/imagens), definiu bem, de forma geral, os tipos de signo: 

  • O ícone é um signo que mantém uma relação de proximidade sensorial com o signo, representação do objeto - pintura, fotografia, o desenho de um homem. Também possuiria o caráter que o torna significante, mesmo que seu objeto não existisse, tal como um risco feito a lápis representando uma linha geométrica. (Peirce, Charles S.).
     
  • O índice é um signo que de repente perderia seu caráter que o torna um signo se seu objeto fosse removido, mas que não perderia esse caráter se não houvesse interpretante. Tal é o caso de um molde com um buraco de bala como signo de um tiro, pois sem o tiro não teria havido buraco; porém, nele existe um buraco, quer tenha alguém ou não a capacidade de atribuí-lo a um tiro. (Peirce, Charles S.). O signo indicial indica alguma coisa - acontecido.                                                                                 
  • Um símbolo se constitui em um signo simplesmente. Não possui natureza alguma por si só, podendo somente ser usado e compreendido através de regras e convenções. Tal é a palavra, e como uma palavra, está ligada a seu objeto por uma convenção de que deve ser assim entendido sem que necessariamente ocorra uma ação qualquer que poderia estabelecer uma conexão factual entre signo e objeto. (Peirce, Charles S.). Perderia o caráter que o torna um signo se não houvesse algo para significar, ou um interpretante a par das regras. O signo simbólico possibilita o surgimento da linguagem organizada.                                                                                                                 
Estudos de antropologia se embasando na biologia mostram que, o que provavelmente possibilitaram o surgimento da linguagem (organizada) foram uma caixa craniana com aptidões acústicas, um cérebro capaz de organizar a linguagem, complexidade crescente com um ambiente e organização social requerendo cada vez mais comunicações (a necessidade de falar) e uma mútua relação e interação entre essas ordens de fenômenos.
 
Morin denomina Call System o modo como nos comunicávamos inicialmente através de uma linguagem primitiva. O Call System já não era capaz de inventar novos sons que pudessem diferenciar-se uns dos outros fazendo com que houvesse a necessidade e criando uma brecha para um tipo de linguagem mais complexa. Assim surge a gramática - indispensável e o grande impulso para a evolução da comunicação. A gramática não passa de um tipo de linguagem (signo simbólico). Gramática é o conjunto de regras de combinação necessárias para dar-nos um repertório de signos, que teoricamente poderíamos combinar de infinitos modos. 

Como observa Diaz Bordenave, se cada pessoa combinasse seus signos a seu modo seria impossível nos comunicarmos uns com os outros. Seria como se cada um falasse uma língua diferente e tentasse se comunicar. Graças à gramática, o significado já não depende só dos signos, mas também da estrutura de sua apresentação.

Com a posse de repertórios de signos, e de regras para combiná-los, o homem inventou a linguagem organizada. Podemos dizer que a linguagem é para a inteligência o que a roda é para os pés, pois lhes permite deslocar-se de uma coisa para outra com desenvoltura e rapidez, envolvendo-se cada vez menos. (Mcluhan).

Parece haver poucas dúvidas de que a primeira forma organizada de comunicação humana foi a linguagem oral, quer acompanhada ou não pela linguagem gestual. No entanto, a linguagem oral sofre de duas sérias limitações: a falta de permanência e a falta de alcance. Daí talvez o fato de que os homens primitivos tenham apelado a modos de fixar seus signos através de desenhos – que mais tarde transformou-se na linguagem escrita. Parece que nos comunicar faz parte da nossa identidade - humana. Lembrando que,

 “... aquele que fala ou que escreve é primeiramente mudo, inclinado para o que quer significar, para o que vai dizer, e de repente a onda de palavras vem em seu socorro a esse silêncio e dá a ele um equivalente tão justo, tão capaz de devolver ao próprio escritor o seu pensamento quando ele o tiver esquecido”. (Merleau-Ponty). Esta é a magia da comunicação.

A palavra comunicação vem do latim communis, comum, dando ideia de comunidade. Esse conceito preza o fato de as pessoas poderem entender umas às outras, expressando pensamentos, unindo o que estava isolado na mente de cada um para toda a comunidade. É fazer com que aquilo que é meu passe a pertencer a outro – pôr em comum. Mas ainda melhor, poderíamos dizer que é a transmissão de signos. E esta atribuição de significados a determinados signos é precisamente a base da comunicação em geral e da linguagem em particular.
O filósofo Aristóteles, pelo que se sabe, foi o primeiro homem a dar importância ao estudo sistemático da comunicação ao teorizar o primeiro modelo de comunicação, afirmando a necessidade de três elementos: emissor, mensagem e receptor. Mais tarde, a teorização Aristotélica foi repensada por C. E. Shannon e W. Weaver, que introduziram a Teoria Matemática, que foi aceita por grande parte dos Médias (estudiosos e profissionais da comunicação social).          

Também chamada de Teoria da Informação, a Teoria Matemática concebe a comunicação como uma transmissão de sinais. De acordo com seus criadores é designada como um modelo matemático para permitir a transmissão de um conjunto de informações quantificáveis de um lugar para outro. No entanto, Isaac Epstein observou que essa teoria foi formulada com o destino a auxiliar a solução de certos problemas de otimização do custo da transmissão de sinais, e pensada no homem algo precioso se perde.

Nesta teoria, do lado do emissor há um processo de codificação, que transmite uma informação através de um canal (linguagem), por um meio (como é transmitido) em um determinado contexto para o receptor, que decodifica a informação.  O único fator que pode interferir na comunicação é o ruído externo – a linguagem numa freqüência baixa demais para escutar, erros na transmissão da informação ou um contexto não especificado.

Mais tarde, a Escola de Palo Alto faz crítica à Teoria da Informação, discordando de tal modelo teórico que só se importa com o ruído externo. Isaac Epstein mostra que essa junção de emissor, mensagem e receptor só funciona em modelos em que sabe-se as regras do jogo, compartilhado por ambos os lados. As significações do código só existem na mente dos homens, o que é desconsiderado pela Teoria Matemática. É através dele que surge o sentido e vida ao processo no qual se envolveram o emissor e o receptor. Porém, não é ele que deve dar o sentido, deve haver um contrato social. Na ausência desse contrato, torna-se um processo invisível e perigoso, em que só se compreende o que dizem por que se sabe antecipadamente o sentido e só se compreende o que já sabia. Acaba-se por haver dois sujeitos pensantes, fechados sobre suas significações, e entre eles havendo mensagens que circulam, mas que não contêm nada. Assim, é somente ocasião para cada um prestar atenção ao que já sabia.  
        
    É necessário elucidar que nem tudo que é considerado comunicação realmente comunica – essência do termo. Particularmente, nem precisa. Desde que se tenha consciência do que se pretende com a comunicação. Crê-se que há um envolvimento puro entre o que é dito e o que é compreendido, quando não há.

Proponho um modelo de quando a comunicação realmente é compartilhada, obviamente apenas aplica-se quando o emissor pretende que sua mensagem seja compreendida tal como ela foi transmitida. Modelo de comunicação real:

           EMISSOR X  + (ENVIA) MENSAGEM A
e   RECEPTOR Y = (RECEBE) MENSAGEM A

Não estou me referindo, no caso do Emissor X, em discordar ou duvidar da veracidade da mensagem do Receptor Y. O que busco é o cuidado que não se é devidamente tomado, que leva o Receptor Y a receber MENSAGENS B, embora o Emissor X tenha transmitido a MENSAGEM A. Sem interferência externa alguma. 

Este tipo de abordagem não traz problemas a todos os tipos de signos. Um signo icônico pode ser comunicado, já que a sua natureza se constitui simplesmente na sua forma. Não há problemas na comunicação desde que ambos, emissor e receptor, conheçam a sua forma. Caso contrário, não há comunicação, e nem possibilidade para enganos de ambas as partes – já que não terão referencial algum para se equivocarem. Um signo indicial também pode ser comunicado, no entanto depende do conhecimento da pessoa. Não é um problema de linguagem, mas deve-se ter cuidado e sempre elucidar o fato indicial ao invés de crer-se no que ele indica. É possível apenas um problema de consciência, não de linguagem. Mesmo que exista a crença do interpretante em relação ao acontecido, sem evidência nenhuma, e assim, o receptor e o emissor possam acabar por discordar, sempre será possível elucidar-se o signo indicial e nele se compartilharem.

Já o signo simbólico, para ser comunicado, faz necessário o estabelecimento de regras e convenções. Não há nada que o conhecimento físico possa ajudar, já que o símbolo não possui natureza alguma e pode parecer perfeitamente adaptado a qualquer signo. É só uma questão de linguagem - abstração. Tanto na escrita quanto na fala. Saussure observa que é uma grande ilusão considerar um termo simplesmente como a união de um certo som com um certo conceito. Defini-lo assim seria isolá-lo do sistema do qual faz parte, já que em casos como este, signos simbólicos, se transmite a ideia de valor, que é completamente relativa. É necessário jogar com as regras que o outro joga, e não usar a nossa própria regra – indiferente às significações das mediações escolhidas pelo outro. Eis que surge o problema da crença nas palavras e o abismo total entre as duas consciências.

O filósofo Ludwig Wittgenstein conhece a importância da elucidação da linguagem e da palavra como tal. Percebe que,

“...a linguagem engendra ela mesma superstições das quais é preciso desfazer-se. É preciso um esclarecimento que permita neutralizar os efeitos enfeitiçadores da linguagem sobre o pensamento, ao contrário, não querer descobrir o que supostamente esteja oculto sob a linguagem, mas abrir os olhos para ver e desvendar como ela funciona."(Wittgenstein).                                  

Há muito tempo os pensadores que estudam a filosofia da linguagem se perderam na busca por uma essência da própria palavra, como se de fato ela que concebesse o significado ao objeto ou coisa – esquecendo-se de que ela apenas o nomeia. Assim, segundo Wittgenstein, não nos cabe, portanto, nos indagar sobre os significados puros para nenhum tipo de palavra, mas sobre suas funções práticas.

Santo Agostinho parecia compreender esta faceta, e afirmou que ela deve servir para o entendimento de um construtor A com um ajudante B. Exatamente o que Wittgenstein propõe quando diz que não é finalidade das palavras despertar representações; falar algo, denominar algo é semelhante a colocar uma etiqueta numa coisa, nas palavras do filósofo. 

As linguagens consistem apenas de comandos, e isto não deve nos perturbar. Não há necessidade de elas serem completas. Pois, com quantas casas ou ruas, uma cidade começa a ser cidade?

Os problemas filosóficos nascem quando a linguagem entra de férias. Wittgenstein então propõe os “Jogos de Linguagem”. Nesta teoria, as palavras não passam de um instrumento de linguagem, em que se dá a cada palavra um papel no nosso jogo. Podemos dizer que quem fala cifra seu pensamento, como se o substituísse por um arranjo sonoro ou visível. No entanto, é necessário saber ler a partir das regras de quem escreveu a cifra.

Os jogos de linguagem são capazes de resumir orações inteiras apenas em palavras, inclusive há culturas em que a própria gramática não diz tudo, apenas pensa. Por exemplo, aquele que pensa “Traga-me uma lajota” dizendo apenas “Lajota”, pronunciaria interiormente a frase inteira. Traduz aquela simples palavra para seu significado – que foi antes, brevemente convencionalizado - para que quando um homem diz “Lajota!” ele esteja querendo que realmente leve uma lajota até ele. Tudo é uma questão de agir de acordo com a função combinada. As palavras devem ser utilizadas tal como uma ferramenta pelos operários – para satisfazer uma necessidade.

Utilizemos da elucidação extensiva de Wittgenstein para caminharmos em busca da essência de uma palavra para compreender a necessidade do jogo de linguagem:

O que é o termo “jogo”? O que é um “jogo”? Quais são os traços em comum? O uso de bolas? Pense nos jogos de cartas. A competição? Pense numa criança que bate bola na parede. A brincadeira? Pense no jogo chamado paciência. A sorte? Pense no xadrez. A habilidade física? Pense no jogo de damas. (Wittgenstein).      
           
     E tal é o resultado desta consideração: vemos uma rede complicada de semelhanças que se envolvem e se cruzam mutuamente. Alguns traços que são comuns para uns, desaparecem para outros. E assim surgem mais outros e desaparecem outros, e assim por diante - sem limite algum.

O que ainda é um jogo e o que não é mais? E uma planta? O que é a palavra “bom”? Você dirá que não sabe o que é um jogo enquanto não puder dar uma definição essencial exata? Obviamente não. Então qual é a essência do que chamamos de jogos? Como captamos o espírito de algo? A resposta pode estar na observação de Wittgenstein quando admira de que se possa saber algo e não se possa dizer. Não existe essência na palavra “jogo”, já que na verdade ela é apenas um signo simbólico (foi inventado, não possui um ícone) - tanto escrito, quanto falado. O que possui uma essência é a linguagem. 

E a essência da linguagem é a regra.
           
  Certas proposições nos parecem estar elucidadas por falta de cuidado. Por exemplo, a proposição “Moisés não existiu” pode significar diferentes coisas. Pode significar que os israelitas não tiveram nenhum chefe quando deixaram o Egito, ou não existiu nenhum homem que tivesse realizado tudo o que a Bíblia narra de Moisés. Ou, como observa Russel, o homem que viveu naquele tempo, naquele lugar e naquela época.

Já outras proposições pedem para ser elucidadas. Quando alguém nos diz “N não existiu” perguntamos automaticamente: “O que você que dizer? Você quer dizer que...ou que...?” etc. Se utilizo o nome “N” sem uma significação rígida – virtual – não há capacidade para que o outro possa compreender, ou sequer sofrer um mal entendido. O problema é que tudo aquilo que pode ser “virtual” se torna falso a partir do momento que não está mais no presente. Daí a razão da denominação do termo “virtual”, que busca sempre se atualizar.

 É um problema tratarmos tudo de forma virtualizada considerando-a atualizada. O erro de comunicação será freqüente e invisível com a ausência de uma elucidação extensiva. Assim, nos jogos de linguagem, as regras são os indicadores de direção. Mas, como determinar a regra do jogo de linguagem que o outro joga se ele próprio a ignora? Isto porque, durante o jogo, a cada jogada as pessoas se comportam segundo determinadas regras. Bom, ainda às vezes paira alguma dúvida. A elucidação é inexata, mas isso não quer dizer que seja inútil. O próprio termo exatidão precisa ser elucidado:

 “Você deve chegar pontualmente para almoçar; você sabe que o almoço começa exatamente à 1 hora”. O ideal de exatidão se dá de acordo com o relógio neste caso. (Wittgenstein). 

Não sabemos até que seja estabelecida uma regra. Um jogo é jogado segundo uma regra determinada. Mas como o observador distingue entre um erro de quem joga e uma jogada certa? Há para isso, indícios do comportamento dos jogadores. Aprende-se o jogo observando como o outro joga.

Então, deve-se elucidar as palavras sempre que se for participar do jogo da linguagem? E durante o jogo? Só quando se quiser comunicar. O maior dos erros na comunicação é que nos servimos sempre daquilo que a memória diz, como se fosse a arbitragem suprema e inapelável. (Wittgenstein).

Existe uma teoria que pode nos ajudar a entender melhor a razão do que foi proposto até aqui. Esta teoria parece-nos enigmática e paradoxal, pois o que ela diz é que comunica quando não comunicamos, não comunica quando comunicamos. Idealizada por Ciro Marcondes Filho, o “face a face”, como é conhecida, é um procedimento ritualizado, teatral, um sistema em que as pessoas formalizam sua face exterior e procuram por meio da fala e dos signos convencionalizados manterem uma cena de representação. Pouca coisa informativa é efetivamente passada nessa forma de comunicação, apesar desta cena do ritual ser sustentada e comunicada com perfeição, mas vazia. É uma forma de comunicação que prima por outras ligações, não exatamente relacionadas com a informação, isto é, relacionadas ao novo. A virtualização é a comunicação. O motivo desse tipo de comunicação nasce de uma consequência sócio-antropológica: o simulacro.

O termo “simulacro” é utilizado por Jean Baudrillard para explicar o fenômeno de homogeneização da sociedade. É um espaço-tempo de toda uma simulação operacional da vida social de toda uma estrutura de habitat e de tráfego. (Jean Baudrillard). É o modelo de toda uma forma de socialização controlada, todas as funções dispersas do corpo e da vida social são ritualizadas para se sociabilizar: no trabalho, tempos livres, alimentação, higiene, transportes, média, cultura, são todos circuitos integrados.

Durante toda a existência do homem no mundo, ou a maior parte dela, foi marcada pela luta pela sobrevivência. Esse ser quase nunca podia gozar de paz, seja diante às necessidades mais primitivas de alimentação, proteção e sobrevivência até a rejeição social. De repente, se cogita a possibilidade desse ser não ter mais a incerteza do amanhã. Não se faz mais necessária a preocupação em adaptar-se a um ambiente incerto e às vezes inalcançável. Agora, o ambiente adapta-se à pessoa, sim, não há mais a necessidade de se preocupar com coisa alguma, pois está tudo pronto. Basta seguir determinadas regras, rituais, convenções sociais – um padrão de sucesso. A felicidade agora é comprada de forma indireta – viva de tal modo, use determinadas roupas, acredite em determinado padrão de beleza, ande na linha.

O simulacro é uma estrutura habitat onde você compra seu bem-estar. Segundo Guy Debord, não importa mais quem você é, mas sim o que você parece que é, e para parecer é necessário ter, em última instante parecer ter – ter o que o simulacro vende.

Assim, esse parecer, juntamente com todas as convenções que são de sua natureza, leva as pessoas a não verem propósito algum no conteúdo da comunicação, já que tudo é virtualizado, e ao mesmo tempo saberem que realmente a mensagem não importa, mas sim a moldura que carrega felicidade ritualizada.

Como observa Guillaume, esse tipo de comunicação repousa naquilo que lhe é contrário, a diferença, a separação dos seres. Para Marcondes, este ambiente foi inventado pelo homem e é possuidor de inteligência, seu mecanismo serve para neutralizar as informações, para relativizá-las, para domesticá-las e adaptá-las ao universo de compreensão e racionalidade interno da comunidade. Ao contrário dos animais que precisam se adaptar a um ambiente que passa por influências externas e readaptativas, a comunidade não é um sistema de troca aberto da mesma forma.

Na comunicação face a face o discurso oral é apenas um componente do ritual das práticas cotidianas. O sermão do padre, o discurso do líder comunitário, a retórica do diretor da escola são falas tautológicas – nada dizem – e fazem parte de um ritual maior, o da coesão e da resistência às ameaças de ruptura. Fala-se pela linguagem “indicial”, que não tem mal entendido, que é unívoca pela sua própria forma de se apresentar. Aqui não há paradoxos, daí seu caráter enfadonho para os que buscam o novo e o confortante para quem está em busca de segurança e imutabilidade. (MARCONDES FILHO, Ciro).

Nessa comunicação automática, é pelos atos que se conhece os atores, o meio é a mensagem. Como vê Mcluhan, a luz elétrica não tem conteúdo, mas tem a informação, que é seu próprio meio. E pouca diferença faz que ela seja usada para uma intervenção cirúrgica no cérebro ou para uma partida noturna de beisebol. Assim é a comunicação deste homem. A mensagem não é mais o conteúdo, como costumavam dizer as pessoas ao perguntarem sobre o que significava um quadro ou do que se tratava. Nunca se lembravam de perguntar do que tratava uma melodia, uma casa ou um vestido. Esta configuração se tornou tão dominante que as teorias educacionais passaram a lançar mão dela em lugar de operar com “problemas” particulares de aritmética, a abordagem estrutural agora segue as linhas de força do campo dos números - passamos a ver crianças meditando sobre a teoria dos números.

Na contramão de todo o engrandecimento do meio e o vazio da mensagem, está o meio onde o conteúdo pode ser transmitido através do próprio meio: o audiovisual. O meio do audiovisual está na forma, não são necessárias mediações. A sua mensagem é transmitida sem a necessidade de convenção ou regra alguma. Diferentemente do surgimento do cubismo, que substitui o “ponto de vista” pela estética de uma tela colorida, o cinema, segundo Gilles Deleuze, passeia pelos caminhos tal como a filosofia. Traz ao homem a possibilidade de uma sala de aula sem paredes. (McLuhan).   

Deleuze fala ainda sobre a superioridade majestosa do cinema como o seu meio sendo a própria mensagem capaz de transmitir conteúdo, mediante a técnica cinematográfica, que traz uma proximidade que pensa o próprio meio como arma do pensamento.

            Para Deleuze, o pensar já nos parece fazer cinema. Um filme é um recorte do imaginário que, tanto para McLuhan quanto para Deleuze, abre as portas da imaginação e produz situações da realidade.  A arte cinematográfica como arma do pensamento, a câmera como análogo, ou extensão, não somente do olho, mas do cérebro. A percepção se transformando em ação.

Como pensa Heidegger, o homem sabe pensar na medida em que tem a possibilidade de pensar, mas esse possível ainda não garante que sejamos capazes de pensar. (DELEUZE, Gilles). É como se o cinema nos dissesse através da sua mensagem sem linguagem, ou seja, inescapável: “Vocês não podem escapar do choque que desperta o pensador em vocês!”

O choque sobre o qual Deleuze fala tem um efeito sobre o espírito, ele o força a pensar, e a pensar o Todo. O todo precisamente só pode ser pensado, pois é representação indireta do tempo que decorre do movimento. (DELEUZE, Gilles).

Através do objeto/movimento que Deleuze considera a imagem (icônica) do objeto, se dá a montagem que é ao mesmo tempo a montagem no pensamento através de um processo intelectual (já que no cinema não há mediações). Ou seja, todo o contexto no qual irão ser definidos os valores de determinada imagem vão ser definidos pelo próprio cinema. (DELEUZE).

No cinema, não se vê nem se ouve, mas se sente. Perguntar o que é o cinema será perguntar o que é o pensamento, percebe Gilles Deleuze na sua conclusão sobre a sétima arte.

Mesmo no audiovisual existe um tautismo (neologismo com autismo e tautologia) na comunicação como “repetição imperturbável do mesmo” (MARCONDES FILHO, Ciro), em que as formas de comunicação entram numa espiral delirante e tautológica. A sociedade diz “eu sou a comunicação”. Este é um problema de consciência, que este tipo de meio, audiovisual, sofre por não ter nenhum tipo de compromisso com nenhuma sociabilidade, adaptante e adaptada. É uma questão apenas de uma comunicação vertical, não existe feedback. A partir de sua subjetividade, o receptor da mensagem dá o sentido de acordo com suas experiências, embora Deleuze observe que após o recebimento de toda a mensagem direta – choque - do cinema, a reflexão se atualiza com a nova experiência recém codificada.

Este poder pode ser chamado de alteridade. Neste tipo de comunicação, também não é a mensagem que importa, nem mesmo o meio. A importância está na transformação.

Essa teoria busca causar algum tipo de impacto no receptor, seja ele qual for. As informações ou mensagens não são direcionadas ou voltadas à transmissão do mesmo signo transmitido. Não acredita-se nesta possibilidade, mas considera-se de bom tamanho modificar o outro. Transmite-se um signo já imaginando uma interpretação subjetiva e reflexiva. Assim, este tipo de comunicação é totalmente incerto e ao mesmo tempo relativo. Acontece assim:

Emissor X Fala Mensagem A à Receptor Y Fala Mensagem B
Emissor X Decodifica Mensagem C à Receptor Y Decodifica Mensagem D

O que importa é que o receptor se transforme. Ou seja, nenhum deles pôde compartilhar seus pensamentos. O essencial é que o receptor após a comunicação não saia com o mesmo pensamento, argumento que possuía anteriormente.

Neste tipo de comunicação, alteridade, toda a essência da etnologia é indiferente ao seu real significado, supostamente, de fazer comum uma mensagem entre duas pessoas.

Fazendo referência a Nietzsche, podemos pensar que, para chegarmos às vísceras da comunicação, há a necessidade de estar além do bem e do mal:"Deve colocar-se para além do bem e do mal – e ter debaixo de si a ilusão do juízo moral. (...) Não há fatos morais. O juízo moral tem em comum com o religioso crer em realidades que não o são. A moral é unicamente uma interpretação de certos fenômenos; mais estritamente uma falsa interpretação. O juízo moral, tal como o religioso, pertence a um estádio da ignorância em que até falta o conceito do real, a distinção entre o real e o imaginário; de modo que a “verdade”, no sobredito estádio, designa simplesmente coisas que hoje chamamos “imaginações“ (alucinações, fantasias). O juízo moral jamais deve, pois, tomar-se à letra: enquanto tal contém sempre só contra-senso. Mas conserva um valor inestimável como semiótica, porque revela, pelo menos ao doutro, as mais valiosas realidades das civilizações e interioridades que não sabiam o bastante para a si mesmas se “compreenderem”. A moral é somente uma linguagem de signos, simples sintomatologia: importa saber de que se trata para daí tirar utilidade". (NIETZSCHE).

Como observa Maurice Merleau-Ponty, acredita-se que vemos as coisas mesmas, o mundo é aquilo que vemos – fórmulas desse gênero exprimem uma fé comum ao homem natural (MERLEAU-PONTY, Maurice), desde que abre os olhos remete-se em uma camada profunda de opiniões mudas, implícitas na nossa vida. Mas essa fé tem isso de estranho: se procurarmos articulá-la numa tese ou num enunciado, se perguntarmos o que é este nós, o que é este ver e o que é esta coisa ou este mundo, penetramos num labirinto de dificuldades e contradições.

Santo Agostinho já dizia do tempo, que este é perfeitamente familiar a cada um, mas que nenhum de nós o pode explicar aos outros. Assim, para que possamos nos relacionar verdadeiramente com um “outro”, é necessário que antes possamos compartilhar o mesmo mundo que enxergamos. Como Wittgenstein pôde perceber, há a necessidade de uma percepção “pura” – livre dos mais odiosos e mesquinhos pensamentos – livre de valores e vontades, tal como o super-homem de Nietzsche. 

Quando crianças, percebemos o mundo antes mesmo de entender o que é a palavra "pensar", ou ao menos o que é uma palavra, ou ainda o que é pensar. Projetamos nossos sonhos nas coisas, pensamentos nos outros, formando com eles um bloco de vida comum, onde as perspectivas de cada um ainda não se distinguem (MERLEAU-PONTY). Ou seja, perceber algo não tem inicialmente relação real com o pensamento. Mais tarde é quando o pensamento interfere, distorce a percepção. A nossa percepção nos dá a fé num mundo, que nos leva à convicção de irmos às coisas. Mas a compreensão filosófica do mundo sacode-os para a sabedoria de que cada ser habita a sua própria ilha, não havendo transição de uma à outra, sendo mesmo de se admirar que concordem algumas vezes sobre uma coisa qualquer. Precisamos ter essa percepção do outro e o abismo que nos afasta do mesmo, caso contrário, poderemos sim nos comunicar, mas nunca nos entendermos. A comunicação transforma-nos em testemunhas de um mundo único. (MERLEAU-PONTY).

Quando fantasiamos o nosso próprio mundo e comunicamos algo do mesmo, o outro compreende como sendo algo de seu mundo, diante das regras e leis naturais que enxerga, também fantasiosamente. Existe uma dificuldade em transmitir aquilo que é subjetivo, que não se pode apontar. Mas trata-a como se pudesse ser compartilhada.

Como observa Wittgenstein, utiliza-se a sua própria significação por vê-la como realidade. Ignora-se o fato de que não compartilhamos o mesmo mundo que as outras pessoas. Os valores não são apenas abstrações para elas, são o mundo delas, sua realidade. Desta forma, não é possível um jogo de linguagem para que possam se entender. É um problema de consciência. Por vivermos na idéia, acreditamos, e já vemos nela. (WITTGENSTEIN, Ludwig).

Durante todo o texto, o mais combatido foi a superstição, a fé, e o analfabetismo, a falta de cuidado que reside na linguagem, na comunicação e nos valores. Antes de mais nada, é necessário revoltar-nos contra a linguagem dada. Elucidar uma linguagem antes da linguagem, se opor às crendices mágicas que colocam a palavra Sol no Sol. Considerar as palavras a partir de um jogo de linguagem, assim elucidando as mediações para que não nos levem a mal entendidos invisíveis.

Faz-se necessário que sejamos verdadeiramente responsáveis pelo que falamos e escutamos, elucidando sem preguiça e falta de atenção.

E para finalizar, a importância de se estar além do bem o do mal está em que possamos ir além de nos comunicar, mas nos entendermos – compartilharmos o mesmo mundo, e sendo assim o mundo mesmo. Muitas das confusões com as quais nos ocupamos nascem quando a linguagem, por assim dizer, caminha no vazio, não quando trabalha. (Wittgenstein). Pode ser exemplificado com as “trombadas cronológicas” de que fala Ciro Marcondes Filho entre pessoas que habitam o mesmo ambiente (pais, filhos, colegas), que, em vista de seus diferentes padrões de referência, estariam ancorados em momentos diferentes da história cultural e das ideias, vendo, assim, cada um a seu modo, “mundos diferentes”.

Para pessoas leigas no assunto, a comunicação é uma aparência. Não se encontra na linguagem nada além do que nós mesmos colocamos nelas. A comunicação é um ritual, e tudo aquilo que lhe é caro é perdido neste abismo.

Um comentário:

  1. Porque será que não há comentários? Mundo moderno, mundo de mensagens rápidas, de preguiça de pensar , ou aprender sobre algo de que não se julga necessitado? Chegar ao meio do texto e se perguntar "Por que estou lendo isto, se tenho tanto a fazer?"
    Apesar de bem escrito, estará direcionado aos intelectuais? E nós, leigos, temos alguma chance de atender nossas necessidades de enriquecer nossos conhecimentos de maneira mais compreensível e direcionada? Quer ensinar algo, ou apenas se comunicar com seus iguais? Será por isso que as religiões crescem tanto? Por falar para o povo (cordeiros já amaciados) o que ele quer ouvir, sem se questionar ou questionar seu interlocutor? Desculpe-me mas a longa explanação inicial, fez-me perder o interesse pelo que me levou à leitura: "criar condições à liberdade".

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